O Coletivo mostrando sua cara
A
cena musical independente ganha força e horizonte a cada dia: produções
riquíssimas em melodia e poesia nos chegam às mãos constantemente: a facilidade
em produzir, principalmente em distribuir, faz crescer entre os artistas uma
nova estética musical, que vem determinada pela geometria não-euclidiana do
ciberespaço das plataformas digitais: músicos, cantores e produtores expandem o
desejo comum de pôr em prática o som do ofício do fazer autoral. Os músicos
Bjanka Vyunas (voz), Fernanda Broggi (voz), Julio Oliveira (percussão/synths), Michel de Moura (guitarra/voz),
Renato Ribeiro (guitarra/violão/metalofone), Thiago Babalu (bateria), Thiago
Pereira (double bass) são
representantes legítimos dessa inquietação, que se concretizou com a formação
da banda “NÔ.
O
CD de estreia, “Farpa”, apresenta 12 faixas assinadas coletivamente: o disco transita
pelo samba, jazz, sem esquecer o
experimentalismo, que não é aquele de meados do século XX. Novas vozes ecoam o
frásico e o melódico em coros apocalípticos e pensamentos selvagens. Os membros
da “NÔ são velhos protagonistas do cenário libertário e autônomo da música
paulista. “Farpa” é um trabalho de retradução da poesia marginal através de crônicas
cotidianas, cujo referencial literário toma assento na modernidade de Walter
Benjamin e Viveiros de Castro: “Fodam-se os egos individualistas, nossa voz é nossa
arma, no grito ou na calma, arma-preta, arma-breve, quando explode é leve, como
a morte, como os pássaros, como farpa.” Assim
é “NÔ, explosão vulcânica.
O
disco se dispõe a capturar as disrupções de uma sociedade pós-moderna, à medida
que se torna mais virtual, estabelecendo estruturas narrativas comprometidas
com o sujeito coletivo, aderidas nas referências sonoras e filosóficas, nos
situando no fluxo dessa experiência sensitiva. “NÔ é música brasileira para os
dias de hoje. Uma guitarra dedilhada, o rufar da bateria, harmonizados por um
coro, anunciam “Tudo que tenho a dizer”. Em “Mercado de Lutas”, a letra dimensiona
a vontade de quem faz do canto instrumento de luta contra o estaticismo social.
Ao ouvir a introdução de “Nada Ficou”, vem à lembrança o repentista Oliveira de
Panelas, sua viola em punho, fazendo ponteios. Em “Xangô”, emerge uma letra que
simboliza a resistência. A crítica social, feita direta e sem máscaras, está
presente em “A Modernidade Não Cumpriu seu Papel”. O cotidiano nas grandes
cidades, com suas injustiças e sonhos desfeitos, ouve-se em “Unhas e Dentes”: “É
com unhas e dentes que defendo a vida.”
Um
belo violão dá as boas-vindas no Samba “Farpa/Samba de Classe”, que fala do
medo da polícia, das mazelas sociais e das injustiças diárias. “Nã” convida à
reflexão: mas o alerta também é político. Seguem as composições “Cara de Tanga”
e “Eu não pareço nada com você”. “NÔ é mais que um grupo musical: é turbilhão
de informações musicadas, é a voz que faz a cabeça do mal-informado e dá o
alerta do qual precisamos. Acesse www.na.art.br
para ouvir “Ira”, “Aos Mestres”, ”Santo Guerreiro”, “Como os Pássaros” e muito
mais. Que venha o segundo.
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