quarta-feira, 19 de julho de 2017

Rabecando com Filpo


Edição e revisão: Marsel Botelho







                                                                                                Um olhar para cultura popular




Em abril de 2014, escrevi sobre o trio Pé de Mulambo, que tinha a liderança do músico Filpo Ribeiro. O trio carregava em suas veias o forro pé de serra: coco, xote, baião, ciranda, reisado, entre outros ritmos da cultura popular. Na época, fiz esta súplica: “Antes de começar a análise deste CD, faço um apelo aos três mosqueteiros para que não abandonem o barco, como aconteceu com os meninos do Mestre Ambrósio (1992-2004).” O apelo não funcionou: ao publicar a matéria, na quarta-feira, 16 de abril daquele ano, o trio Pé de Mulambo se desfazia.
Três anos se passaram e acabo de receber o CD do quarteto “Filpo Ribeiro e Feira do Rolo”, que está lançando o primeiro álbum, “Contos de Beira D’água”. Produzido por Filpo Ribeiro e Marcos Alma. O CD conta com 10 faixas e foi contemplado pelo Proac-SP. O quarteto é formado por Filpo Ribeiro (voz, rabeca, viola, marimbau, pífano, violão e guitarra); Marcos Alma (baixo, piano “rhodes”, banjo, cavaco, guitarra); Guegué Medeiros (zabumba, percussão, bateria); Diogo Duarte (trompete, triângulo, pífano).

Essencialmente autoral, o álbum caminha com grande desenvoltura pelo forró, xote, baião e ciranda. De estirpe paulista, Filpo Ribeiro conhece muito bem a cultura popular e domina o ofício de tocar rabeca  ̶  de deixar orgulhoso o saudoso mestre Salustiano! É bom poder ouvir um trabalho como esse. A expectativa agora é que esses quatro vençam os anos e possam nos proporcionar muitas alegrias. A poesia também se faz presente, de qualidade diferenciada, entrelaçada entre a rabeca, o pífano, o piano e a zabumba.

A música que abre essa audição, “Vazão” (Marcos Alma/Filpo Ribeiro), faz uma apresentação direta daquilo que vamos ouvir ao longo das dez faixas: “O que eu vou cantar agora/Não é coisa da cidade/Não se aprende em faculdade/O senhor preste atenção/É coisa de sertão/O instrumento é de matuto/Esculpido em pau bruto/Só na base do facão/ É um lundu de São Francisco/Um samba de seu Biano/Uma toada de Humberto/Um coco pernambucano/Um batuqueiro batucando/Um batuque onipresente/é a ciência do repente/No martelo alagoano.” Em “Rabo de Arraia” (F.R), a rabeca dispara o dueto na voz de Filpo, a zabumba de Guegué faz a marcação cerrada. Xote bom da “gota serena” se o ouve em “Chegue devagar” (F.R): o diálogo da sanfona de Mestrinho com o piano “rhodes” de Marcos Alma é sensacional.

A música que dá título ao CD, “Contos da Beira D’água”, é um baião que fala de despedida no solo sincopado da viola de Filpo, que dá um tom de saudade e nos envolve a cada acorde. Um xote que fala de desejos, de conquista, de paixão: “Não Maltrata o Cabra Assim” (Guegué Medeiros/Ricardo Medeiros/Marco Alma). Um belo forró, solado com rabeca, trompete e piano “rhodes”, se ouve em “Forró pra Alice” (F.R). “Em Miudinha” (F.R), Filpo canta a mulher desejada, que o maltrata e não lhe dá a mínima. “Em Barrar do Dia” (Filpo Ribeiro/Vlad), o ritmo vai do forró ao maracatu, bom demais. “Melado Venâncio” (D.P) ganha roupa nova, sem perder a essência. A ciranda “Pras Bandas de Lá” (Guegué Medeiros/Marcos Alma) fecha a audição. Espero que venham muitos discos com essa mesma qualidade. 

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